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Португальский
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Tapo o olho esquerdo com a mão esquerda e,
de repente, perco metade do mundo.
 
Sou incapaz de desobedecer a esta bata branca,
a esta voz que, como a manhã, enche a sala,
desliza no brilho do mobiliário funcional,
no cheiro acre dos remédios.
 
Quero ser o melhor aluno da turma,
apesar de ser o único. Selecionaram-me
entre um grupo de desconhecidos
com cara de outono.
 
O doutor tem uma varinha fina,
habilitada para cortar o ar.
O doutor tem piadas que, nota-se,
repetiu muitas vezes.
 
O bico da varinha é vermelho e preciso,
poderia apontar cada letra deste poema
se, por acaso, alguém já o tivesse escrito.
 
O doutor não me pergunta pelo enorme E,
maiúsculo, soberano, rei absolutista
da pirâmide inquestionável.
Prescinde também da linha abaixo,
casal de consoantes aristocratas,
e também das linhas logo a seguir,
iniciais de palavras que apenas se usam
em certos dias.
 
Por fim, quando escolhe uma letra,
limpo a garganta para dizê-la.
Orgulhoso, sou realmente
o melhor aluno da turma.
 
Mas o doutor, solene, desce outra linha
e deixo de reconhecer a diferença
entre um C e um G.
 
Tapo o olho direito com a mão direita,
mas é tarde demais,
desaprendi.
 
Nas últimas linhas:
tinta misturada com água,
letras desfeitas pela chuva,
alfabeto de um deus
que jamais voltarei a ler.
 
Eis a solidão absoluta.
 

 

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